A última melodia

Ela toca em tons tão sincrônicos, que quase se pode ver flutuando pelo ar.
A última melodia tem um toque sereno... doce...
e o dom de sempre chegar ao ouvido de quem se ama.
A última melodia toca para quem quer ouvir.
Há quem diga que nem todo mundo consegue.
Como saberiam?
(E sempre tem aquele vai-e-vem de gente que não se importa.)

Eu ouço. Sempre ouvi.
A cada sinal perdido... a cada espaçado do respirar...
A cada menos forte batimento...
Eu ouço.
E quero conseguir ouvir sempre.
Para que nada esteja ao acaso.
Para que nada seja apenas o “deixar ir”.
Para que tua despedida não seja tão solitária.
“Ele é o amor de alguém” - diziam.
Eu quero te ouvir.
Nem que seja só para mim.
Especial e única, sua última melodia.

Survivor

O som era característico.
Repetidos e sistemáticos, eles se faziam fixar no eco do pensamento,
mesmo ao chegar em casa.
Quem poderia dizer que tantas máquinas poderiam manter-te vivo?
Insufla, estabiliza, desinsufla, tenta respirar. Resistência.
De repente, um grito: Parada!
E todos os olhares se voltam para aquele local.
Insufla, aspira, injeta, comprime: Voltou!
Todos de entreolham, novamente, satisfeitos.
“Cada um para a sua ‘casinha’!” - ouvia-se.
E voltavam aos seus lugares de cuidado.
Atentos, olham o relógio para o momento das medicações.
Aspira, dilui, prepara, injeta, ajeita.
Mais um dia comum por aqui.
Mais um dia de “herói”.
Mais um dia para a enfermagem.